quarta-feira, 14 de julho de 2010

DESABAFO DE UM CORAÇÃO.... O MEU!

Logo cedo aprendi o gosto da rejeição... Ao entender o sentido da palavra adoção, vi que eu era um favorecido por sentimento de pena de alguém, mas que na verdade, estava como invasor ou impostor, no meio de um povo que não era meu povo.
Mais tarde, também senti o peso que era ter o nome de meu pai adotivo, pois eu carregava um nome que não era meu, me senti usurpador de algo que deveria ser de outra pessoa.
Comecei então a viver e sentir  frustração por muitas coisas na vida...
Por algum tempo trilhei caminhos em busca de respostas, as quais nunca encontrei... Bati em várias portas, e nada... Na verdade, muitas portas se abriam para mim, mas foram portas que me levariam á ruína precoce... Revoltas, intrigas, e desejo de vingança... Só que eu não sabia em quem deveria descarregar aquela sede de vingança... tinha raiva de tudo e de todos... Não sabia o prazer da vida...
Sentimentos como o de amizade e amor queriam entrar em meu coração, mas por não conhecer suas essências, eu os rejeitava...
Na verdade, eu rejeitava a mim mesmo... Rejeitava a minha vida... Invejava as pessoas que haviam tido o prazer real de viver em família... Ah, como eu quisera ter tido o prazer de brincar com meus irmãos... Como eu daria qualquer coisa para ter tido algum tempo, por menor que fosse, no meio de minha verdadeira família...
Desconhecia valores...
Valores que me fazem hoje, honrar aquele sentimento que uma pessoa um dia dedicou-me, mesmo sem ter a menor obrigação em fazer isso... Deu seu sangue, suas noites, sua vida para que eu pudesse viver... Eu não era resultado de uma noite de prazer dela com algum homem, não... Para ela eu era um amor que hoje, mesmo não entendendo muito, eu sei que era real... O amor de mãe...
Minha mãe adotiva que não teve orgasmos para que eu existisse. Essa mesma cuidou de mim, zelou de minha vida, e por causa dela, eu tive um nome, um pai, e uma família...
Meu pai... Ah, meu pai...
Não hesitou em por em mim seu próprio nome... E sendo ele uma pessoa honrada, acreditou que eu poderia fazer jus a seu nome...
Da maneira dele, ele me amou... Cuidou de mim...
Ainda me lembro dele me alanhando a cabeça com suas mãos...
Ainda me lembro dele me chamando com um assobio... Um código meu e dele...
Ele, andando comigo no centro da cidade onde cresci, Vitória, ES...
Levando-me, e me buscando na porta das escolas onde estudei... Ele, com um jornal já envelhecido, dobrado, preso em suas mãos...
Ele que, com orgulho, narrava as suas histórias de ex combatente na Segunda Guerra Mundial, onde por amor defendeu a bandeira brasileira, junto de nossos patrícios italianos.
Assim foi indo a minha vida... Até que a vida me apresentou as estradas desagradáveis, e desajustadas que nela se escondem...
Ódio, revolta, sede de vingança, rancor... Eu tinha isso em mim, vivia por tais sentimentos... Sem paz, sem sossego... Nunca soube o que era a felicidade.... Nunca soube o que era a essência do amor...
Tudo que eu queria era um abraço de minha mãe verdadeira, tudo que eu queria era saber de onde eu realmente vim, queria saber com quem eu me parecia... mas nunca, nunca pude saber isso...
Todas as vezes que tive perto disso, tiraram de mim...
Sou um pária, sou um nada, sou uma história mentirosa, que quer se tornar realidade, quero me tornar alguém...
Sou mantido vivo por ironia de Deus, penso...
Não deveria mais estar aqui... Não deveria... Mas estou...e já que estou, tenho de fazer algo para mudar, para reverter isso...
A oportunidade que eu tenho, muitos queriam ter, e não tiveram... Muitos desejaram ou até tentaram ter, mas fracassaram, e não conseguiram...
Querendo ou não, sou um privilegiado, ainda que eu não entenda o porquê de tal privilégio... Sou um afortunado... Grande afortunado...
Mesmo carregando dentro de mim uma angústia eterna, e uma agonia sem fim, ainda assim, sou um afortunado...

Então...
Só me resta então agradecer...
Agradecer pelo ar que posso respirar... Agradecer pelo alimento que tenho em minha mesa... Agradecer pelos amigos, que mesmo sendo raros, eu tenho...
Agradecer por poder caminhar, ao passo que vejo muitos sofrendo em cadeiras de rodas, ou muletas...
Agradecer á Deus por poder ainda ver a luz do sol... Ao passo que muitos estão em escuridão eterna...
Agradecer pela vida, agradecer pelas flores cheirosas, agradecer pelo mar amigo que me molha os pés, agradecer por ter o que tenho, por ser o que sou, por amar a quem amo, por sentir o que sinto...
Agradecer por ser o que sou, pois sendo o que sou, posso fazer o bem ao meu próximo, levar ânimo, e incentivar a fé aos que precisam... Fazer com que eles acreditem em seu potencial, em si mesmos...
Isso é privilégio para poucos, e eu sou um desses poucos privilegiados pela mão amiga de Deus... Que transformou meu vale de ossos secos em paraíso...

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Homenagem a memória de Rita Machado & Milton Araújo Rabayoli, meus pais adotivos mas amados.